Fazia um calor intenso na manhã de 26 de agosto, uma quarta-feira, quando o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e outros figurões do governo surgiram na cerimônia de retomada das atividades do alto-forno 1 na usina de Ipatinga das Usiminas, em solo mineiro. Acompanhavam o presidente da República, membros da alta cúpula nacional e do estado de Minas Gerais, como o governados Romeu Zema (Novo), além de executivos da companhia siderúrgica.
O equipamento tem capacidade de produzir cerca de 2.000 toneladas diárias de ferro gusa. Com a pandemia do novo coronavírus, a economia mundial travou em meados de março. O fechamento de fábricas e a retração do consumo em todo o mundo fizeram com que a produção da matéria-prima primordial para a construção civil e para a indústria, presente em automóveis e eletrodomésticos, ficasse estagnada e a capacidade ociosa disparasse.
Desde 2015, a utilização da capacidade nas siderúrgicas nacionais não passa de 70%. Com a Covid-19, os índices caíram para menos de 50%. A despeito do cenário nebuloso, ainda existe um grande espaço para ser ocupado. Para isso, a retomada econômica é de suma importância. A conjuntura macroeconômica atual, em que pesa a taxa básica de juros, a Selic ao menor nível histórico e o dólar valorizado frente ao real, sinaliza novos tempos para a indústria nacional, sobretudo para as exportadoras. Soma-se, ainda, a disparada nos preços do minério de ferro, o que faz reacender as chamas de um futuro promissor para este mercado. “O atual dinamismo do setor imobiliário e dos preços relativos como câmbio devem estimular a indústria siderúrgica nacional, especialmente se a demanda global ajudar”, projeta o engenheiro e doutor em economia Joaquim Levy, ex-ministro da Fazenda e atual diretor de estratégia econômica e relações com mercados do banco Safra.
Em governos anteriores, a indústria nacional foi preterida em relação ao avanço de setores como comércio e serviços. Não são poucos os que classificam o período da recente economia brasileira como um processo de ‘desindustrialização’. Pode ser que tal afirmação seja até exagerada, mas não se deve negar que a taxa de juros altíssima e o dólar parelho ao real de tempos passados foram fatores que levaram diversos segmentos produtivos à estagnação. “Em países mais desenvolvidos, quando você tem um processo de desindustrialização, é porque a renda da população e o PIB per capita já alcançaram uma evolução natural”, afirma Luis Fernando Martinez, diretor-executivo da CSN. “Aqui no Brasil, a indústria se desidratou nos últimos anos, ao mesmo tempo em que não tivemos crescimento dos índices de renda da população”.
Dados do Instituto Aço Brasil apontam que a produção siderúrgica brasileira não passou de 14,2 milhões de toneladas no primeiro semestre de 2020. Os números identificam uma queda de 17,9% em relação à quantidade produzida de janeiro a junho do ano passado. O crescimento robusto do mercado imobiliário reduziu as perdas do setor no período, mas ainda é necessário que a indústria automobilística e a produção de máquinas e equipamentos retomem. “Mais de 80% da demanda da indústria siderúrgica brasileira está concentrada em construção civil, bens de capital e no setor automotivo. Quando veio a pandemia, nós enfrentamos uma crise severa, porque só o setor da construção civil continuou funcionando”, diz Marco Polo de Mello Lopes, presidente da entidade. “Em julho, nós retomamos o nível de atividade que tínhamos em janeiro. Estamos vivenciando uma retomada em V.” Segundo Martinez, da CSN, o país precisa passar por uma ‘reindustrialização’ de maneira sólida. Para isso, não basta a taxa de juro atraente, mas a desburocratização do sistema tributário nacional — lembra-se que a reforma tributária ainda tem um longo périplo a seguir antes de ser aprovada no Congresso. “A indústria precisa ter um papel mais relevante na economia. Em países mais desenvolvidosa participação da indústria no PIB gira em torno de 25%. Hoje, o nível de participação da indústria no PIB nacional é inferior a 10%”, diz Martinez.
O consumo do aço ilustra o desenvolvimento das nações. Olhar para a Ásia torna isso bastante claro. Enquanto o consumo per capita de produtos siderúrgicos no Brasil era de 100,6 kg (quilogramas) em 1980, a China consumia apenas 32 kg. Em 2019, no entanto, esse indicador evoluiu no país asiático para a marca de 636,1 kg. O Brasil, entretanto, manteve-se estagnado, com consumo de 99,4 kg per capita no último ano. Na Coreia do Sul, por sua vez, o patamar evoluiu de 134,4 kg para 1.054,4, na mesma base comparativa. Não à toa, a China e a Coreia do Sul são dois dos principais exemplos de evolução econômica das últimas décadas — e o Brasil viveu de soluços de crescimento e de duas décadas perdidas.
A multinacional ArcelorMittal, que exporta para mais de 30 países a partir de sua operação brasileira, prevê novos rumos para a siderurgia com a reforma tributária. “Não existe país forte sem uma indústria forte”, diz Benjamin Baptista Filho, presidente da companhia no Brasil. Para ele, o grande trunfo da reforma será reconduzir o país no caminho da geração de emprego por meio de investimentos em infraestrutura. “A China e a Coreia do Sul são ótimos exemplos de países que investiram muito, com a criação de portos, aeroportos, ferrovias, construção naval e desenvolvimento de máquinas agrícolas. Aqui no Brasil, só a malha de aeroportos é bem desenvolvida. Ainda há muito o que se fazer”, reitera.
Assim como o processo de religamento de um alto-forno é delicado e demanda muitos estudos, aumentar a capacidade produtiva para exportação não é tão simples. Para diminuir a ociosidade nas fábricas, índice que em junho foi de 51%, o setor briga pela recomposição da alíquota do Reintegra, programa de incentivo fiscal criado pelo governo em 2011. Hoje, essa alíquota é praticamente invisível, apenas 0,1%. “Nós temos uma capacidade ociosa muito alta. Enquanto não sai a reforma tributária, brigamos com o governo pela recomposição do Reintegra, que é um meio importante de recompormos a nossa capacidade competitiva, migrando nossos produtos para a exportação”, diz Mello Lopes, do Instituto Aço Brasil. O Reintegra já foi mais generoso. Em 2014, por exemplo, devolvia 3% da receita da exportação.
Com o cenário de guerra comercial, a balança brasileira foi afetada e as vendas de produtos manufaturados recuaram 11% em 2019, para 77,5 bilhões de dólares. Mesmo assim, empresas brasileiras que têm plantas na América do Norte, como CSN e Gerdau, conseguiram passar quase que ilesas pelo período mais conturbado do embate geopolítico. Recentemente, os Estados Unidos anunciaram uma medida para restringir a importação do aço de diversos países. Não foi diferente com o Brasil. Devido à ociosidade na indústria americana, a cota isenta para o produto brasileiro foi reduzida de 350.000 toneladas para 60.000 toneladas no quarto trimestre deste ano. Em dezembro, os países devem voltar à mesa de negociação para definir o acordo para 2021. Lembra-se que os EUA são o principal mercado para a exportação do aço brasileiro.
Nos últimos anos, as companhias que investiram em tecnologia em seus processos produtivos se deram bem e agora devem colher os frutos. “De 2008 a 2019, a indústria siderúrgica brasileira investiu 27,5 bilhões de dólares. A maior parte desses aportes foi na área tecnológica. É o que faz com que as empresas do setor chamem a atenção do investidor na bolsa de valores”, relembra Mello Lopes. As siderúrgicas listadas no Ibovespa, principal índice das ações listadas na B3, recuperaram rapidamente o valor de mercado neste ano. Um dos fatores para isso é que, com o investimento em eficiência tecnológica, as empresas a diminuíram os custos nos últimos anos. Recentemente, a CSN lançou o projeto CSN Inova, que pretende desenvolver soluções para Indústria 4.0. “As pessoas talvez ainda tenham uma visão de que a indústria siderúrgica é ultrapassada, pesada e obsoleta. Mas não é nada disso. A siderurgia nacional é uma das mais tecnológicas no mundo”, diz Martinez, diretor-executivo da empresa.
Apesar dos bons ventos que sopram a favor da siderurgia nacional, há de se ressaltar que o dólar, um fator preponderante para as exportações, também se valorizou perante as moedas de outros competidores, como a Turquia e a Rússia. A indústria automotiva, um dos principais mercados do aço, tende a demorar para registrar uma retomada acentuada, o que continuará pressionando as margens das siderúrgicas do país. Além disso, a recuperação econômica com mais vigor depende da aprovação da reforma tributária. “Essa nova composição de Estado pensado pelo ministro Paulo Guedes, que é juro baixo e câmbio desvalorizado, pode ser muito positiva. Mas, para isso, é preciso ter coordenação para que as reformas estruturantes sejam aprovadas no Congresso”, diz Álvaro Frasson, economista do BTG Pactual digital. Só assim, a atividade econômica voltará a crescer, e consolidará a retomada do tradicional setor do aço em uma nova era de grandes negócios.
FONTE: https://veja.abril.com.br/economia/a-nova-era-do-aco-exportacoes-devem-impulsionar-siderurgia-em-2021/